Como qualquer boa problemática no Direito – questão simples – resposta complexa.
Regula o artigo 1098º do Código Civil a oposição à renovação ou a denúncia pelo arrendatário. Apesar da formulação do artigo não nos parecer feliz – devendo as matérias da oposição à renovação e da denúncia serem tratados em artigos próprios – certo é que é neste artigo que encontramos uma norma que é, muitas vezes, de interesse nuclear para os arrendatários: a possibilidade de, decorrido 1/3 de duração do contrato ou da sua renovação, procederem à denúncia do mesmo, desde que respeitem um pré-aviso de 60 ou 120 dias, consoante o contrato tenha ou não duração igual ou superior a um ano.
É uma norma de interpretação fácil e cujo objectivo se revela claro, a protecção ao arrendatário enquanto parte mais fraca na relação arrendatícia, veja-se, a título de exemplo, o artigo 1097º CC, o qual não prevê situação similar para o senhorio.
A questão sobre a qual nos debruçamos hoje tem a ver com a antecedência exigida por lei para esta denúncia que é “a todo o tempo” (ressalvado o 1/3 de duração do contrato, obviamente). Peguemos num exemplo prático: um contrato de arrendamento de um ano, não renovável no fim do seu período. O arrendatário, logo no 2º mês, por razões da sua vida profissional, pretende terminar o vínculo. Todavia, sabe que tem de esperar 1/3 da duração do contrato, in casu, 4 meses.
A dúvida que se coloca é: Ele terá de esperar 4 meses e só depois poderá denunciar o contrato, neste caso, com antecedência de 120 dias? Ou poderá, logo ao 2º mês de contrato denunciar o contrato, correndo o prazo do primeiro terço de duração do contrato e o prazo de 120 dias em simultâneo?
Afirmamos, sem qualquer problema, que esta questão nos foi surgindo, várias vezes na prática profissional, normalmente por interpretações forçadas por imobiliárias que tiveram intervenção na formulação de um contrato de arrendamento, claramente interessadas em que o vínculo se mantenha o máximo de tempo possível, por banda da angariação que fizeram e que corre o risco de se aguentar em vigor muito pouco tempo.
Ora, o entendimento que nos parece mais consentâneo com o espirito da Lei é precisamente aquele que considera que ambos os prazos correm em simultâneo, não sendo necessário esperar que o contrato dure 1/3 para que possa ser denunciado posteriormente.
Além de todas as razões lógicas, sistemáticas e inerentes ao espírito da própria Lei, existe um argumento que nos parece sobrepor-se a todos os outros: o da razoabilidade.
Voltemos ao exemplo do contrato de um ano. Se só após 1/3 de duração do contrato, ou seja 4 meses, pudesse o arrendatário proceder à sua denúncia e sendo a mesma feita no dia imediatamente posterior aos 4 meses (4 meses e um dia), então, quereria isto dizer que na prática, o contrato duraria não 1/3 (4 meses), mas pelo menos 8 meses e um dia (4 meses de 1/3 de duração e 120 dias, que são outros 4 meses). Ora isto iria claramente contra aquilo que o legislador estipulou de forma clara: que cumprido 1/3 de duração do contrato, qualquer arrendatário se pode desvincular.
Voltando ao nosso exemplo teórico, alguém com um contrato de 1 ano, que decidisse ao segundo mês abandonar o imóvel, poderia denuncia-lo de imediato, tendo de respeitar o pré-aviso de 120 dias. Cumpridos que estivessem 6 meses (2 meses + 120 dias, que seria maior que 1/3) poderia abandonar o imóvel.
Uma última nota para fazer apenas referência ao que refere o nº6 do artigo 1098º “A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, excepto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.”
Uma norma bastante clara e perceptível que nos vem dar duas informações importantes: primeiro, que se pode não cumprir o pré-aviso, mas que esse período não cumprido, terá de ser pago.
E que se se verificar uma situação de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do inquilino ou da pessoa com quem viva em economia comum há pelo menos um ano, então, o arrendatário, após fazer a denúncia, pode sair imediatamente, sem qualquer penalização ou custo para si.
Já sabe, na dúvida, consulte um Advogado.
A interpretação das normas jurídicas está longe de ser linear e cada situação é única e carece de uma aplicação normativa concreta.
SOBRE O AUTOR DO WEBSITE:
Cristiano Pinheiro,
Advogado e Consultor Jurídico.
Dedica-se ao estudo e resolução de questões relacionadas com Direito da Família, Direito Indemnizatório e do Arrendamento.