Quando se contratualiza uma obra – mediante contrato de empreitada – espera-se, como em qualquer outro contrato, que o mesmo decorra naturalmente, sem vicissitudes para ambas as partes. Quer isto dizer que se cria uma legítima espectativa na espera patrimonial do empreiteiro, do bom e pontual pagamento do preço acordado e da perspectiva do dono de obra, que a obra sobre a qual incide o contrato de empreitada decorra sem atrasos, dentro da normalidade e que a obra, quando concluída, esteja bem executada, isto é, sem defeitos ou enfermidades que a afectem.
Todavia, tal nem sempre sucede, sendo mais comuns do que aquilo que seria desejável que, no decorrer de um contrato de empreitada, se verifique a existência de defeitos ou patologias na obra.
A obrigação principal do empreiteiro é a de realizar uma obra. Como se sabe, o devedor apenas cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado (art. 406/1), o que significa, na expressão de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, II, 5.ª ed., Coimbra, 1992, p. 14 – 15), que “o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito”. Assim, não basta que o empreiteiro realize a obra; ele deve realizá-la em conformidade com o previsto no contrato e sem vícios (cf. art. 1208).
Em primeiro lugar, há que distinguir entre cumprimento defeituoso de incumprimento parcial. Escreve Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2005, p. 63 que “o empreiteiro apenas realiza parte da obra, não a terminando, verificando-se um vício quantitativo, enquanto, na obra com defeitos, esta, apesar de realizada, apresenta deficiências, o que se traduz num vício qualitativo.”
Os artigos 1218º e 1208º do CC ensinam que são considerados defeitos os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra ou que reduzam a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Assim, a obrigação de boa execução nos contratos de empreitada poderá resultar de duas vias paralelas. Uma, resultante do “previsto no contrato”, conforme alude o artigo 1208º CC. Outra, quando tal não esteja previsto no contrato (ou ainda quando lhe é complementar), “para o uso ordinário”, novamente, conforme o artigo 1208º CC.
Tipicamente, quando há uma convenção expressa no contrato, ou quando isso resulte claro de comunicações ou outros elementos (o que foi convencionado, art. 1208º CC), subsistirão menos dúvidas quanto às aptidões que a obra tem de ter. Todavia, poderá não haver nada convencionado expressamente, pelo que ganha maior relevância o conceito de uso ordinário.
Pegando-se no exemplo de uma empreitada de consumo de construção de habitação unifamiliar, o normal será que essa empreitada seja executada com base num caderno de encargos que resulta de um projecto realizado por profissional idóneo e ainda que esse projecto passou no crivo da autarquia e demais entidades competentes (como sejam CCDR, APA, ou outra entidade do qual a aprovação do projecto careçam de parecer), sendo que a boa execução dessa obra terá de o ser conforme aquilo que foi convencionado nesses elementos.
Todavia, como resultará intuitivo, o empreiteiro sempre poderá alegar que edificou em cumprimento estrito do constante do projecto e do caderno de encargos, pelo que a existirem defeitos ou vícios, não padecem de culpa sua.
Nesta medida, tem enorme relevância a obrigação de boa execução da obra, devendo a mesma ter as aptidões para o uso ordinário. Quer isto dizer que não poderá o empreiteiro realizar uma obra de construção de habitação unifamiliar, conforme exemplo acima dado, que venha a padecer de problemas de humidade no seu interior, na medida em que tal execução é contrária ao uso ordinário. Ou ainda em situações onde a obra é executada sem um projecto prévio: o empreiteiro não pode executar uma obra que não venha a ser apta para os fins normais a que se destina.
Assim, se do contrato não resultar qualquer finalidade específica, valerá a função habitual da obra; se dele resultar que aquela se destina a uma especial finalidade, é esta em relação à qual terá de ser aferida a adequação da obra, não relevando a sua função típica se esta foi expressa ou implicitamente excluída da previsão contratual. Irrelevante será a inadequação da obra a uma finalidade subjectiva do dono da obra que não foi incluída, expressa ou tacitamente, na previsão contratual.
Quer o valor normal, quer o uso ordinário da obra, devem ser encontrados através do funcionamento de juízos de experiência. O valor normal é o valor comum das coisas indicado pelas regras do mercado, e o uso ordinário é o seu fim típico, definido pela função que, no ambiente económico-social, é reconhecida ao bem.
Na determinação de anomalias na realização da obra, devem considerar-se quer as regras da arte respectiva, quer as regras impostas pelos poderes públicos relativas à segurança ou qualidade de determinadas obras, uma vez que elas integrarão o padrão de normalidade acima mencionado, pelo que a sua inobservância determinará a existência de um defeito.
A título de exemplo, a denominada Lei das acessibilidades, Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto (que aprova o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, revogando o Decreto-Lei n.º 123/97, de 22 de Maio) define uma série de regras imperativas quanto a determinados parâmetros construtivos, como por exemplo, “As portas de entrada/saída dos edifícios e estabelecimentos devem ter um largura útil não inferior a 0,87 m […]”, anexo ao aludido DL, ponto 2.2.3, sendo que qualquer habitação construída em desrespeito a esta norma, não respeitará a regras de boa construção. No entanto, se este exemplo em que se verifica um claro desrespeito à legislação é claro, existirão outros menos claros. Numa requalificação de um terraço, o empreiteiro chega à conclusão que não pode perfurar mais o terraço a fim de o aludido espaço ficar com a pendente devida para escoamento de águas. Também não é possível a elevação do extremo oposto a fim de que tal pendente se verifique. Neste exemplo, o empreiteiro, não pode simplesmente executar a obra, que sabe que vai ficar defeituosa, isto é, sabe que, após a sua execução, a mesma não será apta a realizar a normal função a que se destina, que é escoar águas pluviais (entre outras finalidades, naturalmente), tendo o empreiteiro de procurar uma qualquer solução técnica ou, em última instância, pura e simplesmente recusar-se a realizar a obra sob pena de poder ser responsabilizado por uma execução que sabe ser deficiente e defeituosa.
Assim, concluímos, não basta que uma obra seja executada. A obra tem de ser executada com a garantia de que a mesma é apta ao fim a que se destina, seja esta aptidão retirada do contrato ou das regras da experiência comum aplicáveis aos usos normais a serem dados àquela construção.
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Cristiano Pinheiro,
Advogado e Consultor Jurídico.
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