BARULHO PRODUZIDO POR VIZINHO – ANÁLISE DE ACÓRDÃO DO TRL

Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 2427/15.4T8LSB.L1-2, datado de 03-05-2018, cujo relator foi Farinha Alves, disponível para consulta aqui.

Este Acórdão aborda uma temática que, embora comum no quotidiano dos portugueses, suscita diversas questões jurídicas e sociais: a perturbação causada por ruídos em contextos de vizinhança.

Contextualização do Caso: Mário e Maria, residentes na capital, moveram uma ação contra a sua vizinha, N. Natividade. Alegaram que esta, de forma intencional, produzia ruídos que perturbavam a sua tranquilidade, sobretudo nas primeiras horas da manhã. Os sons, descritos como provenientes de calçado ruidoso e do uso de um aspirador em horários inapropriados, teriam como objetivo afetar a saúde física e mental dos queixosos. Em defesa, N. Natividade refutou as acusações, defendendo que os ruídos produzidos eram habituais e não tinham qualquer intenção de prejudicar. Mais ainda, contra-atacou, alegando que os próprios autores lhe causaram danos.

Decisão Judicial e Implicações: A sentença inicial, surpreendentemente, não só absolveu a Ré das acusações como condenou o autor Mário a indemnizar N. Natividade por danos não patrimoniais. Esta decisão levanta várias reflexões:

  1. Definição de Ruído Perturbador: O tribunal teve de ponderar sobre o que constitui um ruído “normal” e um ruído “incomodativo”. Esta distinção é crucial, pois determina se há ou não uma violação dos direitos de um indivíduo. No caso em apreço, o tribunal entendeu que os sons produzidos pela Ré não ultrapassavam o limite do que é socialmente aceitável.
  2. Intencionalidade vs. Normalidade: A alegação de que os ruídos eram produzidos intencionalmente para perturbar foi um ponto central do litígio. A decisão sugere que, para que haja condenação, é necessário demonstrar não apenas a existência do ruído, mas também a intenção de prejudicar.
  3. Repercussões e Responsabilidades: O facto de o tribunal ter condenado um dos autores a indemnizar a Ré indica que, em disputas deste tipo, ambos os lados podem ter responsabilidades. É essencial que os indivíduos estejam cientes das suas ações e das potenciais consequências legais.

A Relação de Lisboa veio alterar a decisão do Tribunal de primeira instância, absolvendo os Autores do pedido reconvencional e condenado a Ré em 7.500,00€ por danos morais, resultantes da sua conduta (fazer uso de calçado ruidoso entre as 7H00 e as 8H00 de cada dia, e ao fazer uso de aspirador ao fim de semana, antes das 8H00, sempre sem qualquer necessidade, sabendo que isso perturba muito o descanso ou a tranquilidade dos vizinhos, pode ler-se no sumário).

Conclusão: Este Acórdão serve como um lembrete da complexidade das relações de vizinhança e da importância de se agir com respeito e consideração pelos outros. A legislação e a jurisprudência têm um papel fundamental em definir os limites do que é aceitável e em proteger os direitos de todos os cidadãos.

Também se deve concluir que, perante uma mesma factualidade, os Tribunais podem decidir de formas bastante distintas, por vezes até a roçar a arbitrariedade. Neste caso, felizmente, a Relação de Lisboa veio repor algum bom senso na questão.

Uma outra conclusão relevante resulta do facto de que o barulho, mesmo em horário em que não se considera de total silêncio, como durante a noite/madrugada deve ser mitigado e reduzido para não perturbar o descanso e a vivência dos vizinhos.

Parece-me elementar que se compreenda que numa sociedade que se quer respeitosa e cooperante, não sejam admitidos ruídos reiterados e desnecessários que perturbam a esfera jurídica de terceiros.

SOBRE O AUTOR DO WEBSITE:

Cristiano Pinheiro,

Advogado e Consultor Jurídico.

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