NUM CONTRATO DE EMPREITADA O ÓNUS DE PROVA RELATIVO AO PAGAMENTO DO IVA INCIDE SOBRE O EMPREITEIRO OU SOBRE O DONO DE OBRA?

Questão prática que muitas vezes se coloca em casos de litígio entre o dono de obra e o empreiteiro e que possui enorme relevância. Caso o empreiteiro alegue que ao preço acresce IVA e o dono de obra alegue que o preço acordado já é o preço final, sobre quem carrega o ónus de prova?

É ao empreiteiro que cabe alegar e provar que ao preço contratualizado ainda acresce IVA à taxa legal em vigor ou é ao dono de obra que cabe alegar e provar que o preço contratualizado já contém, em si, o respectivo IVA?

O IVA é um imposto indirecto plurifásico, que incide sobre todas as fases do processo produtivo, do fabricante até ao retalhista, através do método chamado subtractivo indirecto, tributando tendencialmente todo o acto de consumo. Este (o IVA) incide sobre o dono da obra, que além de sujeitos passivos, são os contribuintes de facto. O empreiteiro, apresenta-se como contribuinte de direito, isto é, aquele que, como sujeito passivo do tributo (a par do dono de obra), se encontra obrigado à sua liquidação e entrega ao Estado: é o que resulta das disposições conjugadas dos arts. 2.º/1, a), 26/1, 28/1, b), e 35/5, do CIVA. A propósito, vide STJ 27.03,2003 (processo n.º 03B299), 22.04.2004 (processo n.º 04B837), 31.03.2009 (processo n.º 09A0053) e 23.11.2011 (processo n.º 127/06.5TBMDA.C1.S1.

Tudo isto, porém, diz respeito à relação jurídica tributária, que envolve os sujeitos passivos e o Estado, sendo certo que o art. 72º/1 do CIVA regula as situações em que é solidária a responsabilidade do adquirente dos bens e serviços com a do fornecedor pelo pagamento do imposto. Ser solidária a responsabilidade de ambos quer dizer, praticamente, que cada um deles responde pela prestação integral perante o Fisco (art. 512º/1 CC), presumindo-se, porém, que nas relações entre si comparticipam em partes iguais na dívida, “sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida” (art. 516º CC).

Por outro, porque nada impede que nas relações internas se estabeleça acordo entre o empreiteiro e o dono da obra no sentido de que o preço desta englobe (ou não) o imposto; em abstracto, tal acordo é perfeitamente válido, por não contrariar nenhuma norma de carácter imperativo relativa à forma, à perfeição ou ao objecto da declaração negocial. Tudo está, portanto, em saber se tal acordo existiu ou não.

No referido Acórdão do STJ de 23/11/2011, entendeu-se que recai sobre o dono da obra o ónus de prova de que o preço acordado inclui IVA:

No caso ajuizado, a respeito da inclusão (ou exclusão) do IVA no preço acordado levou-se à base instrutória somente a posição do autor, segundo a qual os réus concordaram com o preço de 25 mil € para os trabalhos orçamentados, com exclusão daquele imposto […]. A posição dos réus, expressa no artº 8º da contestação […], de harmonia com a qual o preço acordado foi o de 25 mil €, mas já com o IVA incluído, não foi contemplada no questionário. Ora, face às normas legais que se referiram e, em especial, ao artº 516º do CC, impõe-se que lhes seja dado o ensejo de comprovar tal facto – o referente ao exigido valor do IVA – sem qualquer dúvida impeditivo do direito do autor, tal como este o configurou na petição inicial, conforme resulta do artº 342º, nº 2, do CC; nesse sentido, portanto, a conclusão extraída pela Relação acerca da sucumbência quanto à sua demonstração mostra-se extemporânea, porque prematura. Torna-se imprescindível, assim, ampliar a decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito sobre a questão apontada, importa quesitar o facto controvertido que se referiu, alegado pelos réus, reconhecendo-lhes ou negando-lhes razão – e por conseguinte absolvendo-os ou condenando-os no pedido referente ao IVA – consoante seja positiva ou negativa a resposta que as instâncias venham a dar-lhe depois de livremente apreciarem as provas que sobre o assunto se produzirem (artº 655º, nº 1, do CPC).”

Pode constatar-se que o mesmo entendimento é seguido em pelo Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão datado de 21/05/2009, processo nº 5343/06.7TBGMR):

Têm-se, pois, como certo, no que respeita ao preço acordado, que este era do montante global de € 62.848.54 EUR e abrangia os materiais, a mão de obra e o mobiliário referidos no projecto e orçamento apresentados pela ré, bem como qualquer extra que fosse necessário à prossecução destas obras. Ora, perante a ausência de qualquer alusão ao IVA, no que respeita à fixação do preço, e consabido que a incidência deste imposto sobre os preços pode revestir as modalidades de IVA incluído e de IVA a acrescer ( cf. arts. 36º e 49º do CIVA), é bom de ver que, no caso autos, era sobre a ré que impendia, nos termos do art. 342º, nº2 do C. Civil, o ónus de alegar e provar que no preço acordado já estava incluído o IVA devido, na medida em que esta realidade fáctica consubstancia facto impeditivo do direito da autora.

Todavia, em ambas as situações, não estávamos perante empreitadas de consumo, consubstanciadas na existência de uma relação jurídica entre um profissional (empreiteiro) e um não profissional (dono de obra), cujo destino da obra tem de ser para consumo próprio e não ser a mesma destinada ao comércio. Tal facto, parece-nos, altera a resposta a dar à questão.

Na verdade, sendo uma das partes um profissional, recaía sobre ele a obrigação de entregar ao Estado o valor do IVA referente aos serviços prestados, tendo o profissional a obrigação prática (e não meramente teórica) de informar com clareza o consumidor com quem contrata sobre o preço efectivo, sendo relevantíssima a circunstância de nesse preço estar ou não incluso o IVA.

Trata-se de uma decorrência do disposto no do art. 8.º/1, c), da Lei de Defesa do Consumidor, nos termos do qual o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como, na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, sobre o preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos.

Recaindo sobre o empreiteiro um especial dever de clarificar o valor real do preço a pagar pelo dono da obra, esclarecendo, designadamente, se esse valor já inclui o IVA devido ao Estado ou se a ele ainda acresce o montante desse imposto, e sendo ele, por isso, o responsável pela existência de uma lacuna contratual, os ditames da boa-fé impõem quem na operação de integração prevista no art. 239 do Código Civil, se deva considerar, face ao silêncio contratual, que o montante de IVA já integra o valor global acordado, recaindo, assim, sobre o infractor as consequências negativas de não ter observado o dever a que estava adstrito.

Neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 13/09/2016, processo nº 118/13.0TBMDA.C1 e o Acórdão da Relação de Guimarães, de 04/10/2017, processo nº 372/11.1TBPTL.G1.

Na doutrina, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo (Direito das Obrigações, II, Contratos em Especial, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 188-189), que escrevem que deve “considerar-se, à luz do princípio da boa-fé (artigos 227º, 762º/2) e dos deveres de lealdade e informação dele decorrentes, que se ao preço ainda acrescia IVA, competiria ao empreiteiro, que é quem melhor conhece os elementos que concorrem para a formação do preço, dar conta disso ao dono da obra.

Pelo que, concluímos, em casos de empreitada de consumo, cabe ao empreiteiro e não ao dono do obra, o ónus de provar que ao preço acordado acresce IVA.

Situação distinta, conforme avançamos na nossa exposição, será a de empreitadas que não sejam de consumo, sendo, portanto, uma relação obrigacional estabelecida entre dois profissionais.

SOBRE O AUTOR DO WEBSITE:

Cristiano Pinheiro,

Advogado e Consultor Jurídico.

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