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O SILÊNCIO DE DEUS EM TRIBUNAL: A LIÇÃO DA SEXTA-FEIRA SANTA PARA QUEM PROCURA JUSTIÇA

O SILÊNCIO DE DEUS EM TRIBUNAL: A LIÇÃO DA SEXTA-FEIRA SANTA PARA QUEM PROCURA JUSTIÇA

Cristo foi julgado e injustamente condenado. Utilizando o pensamento de Jordan Peterson, talvez seja a história mais trágica que seria possível conceber: um homem jovem, na flor da idade, que apregoa apenas o bem, a retidão e a redenção, sem pecado (João 8:46), abandonado pelos seus amigos e seguidores, preso à revelia da Lei (quer judaica, quer romana), pela calada da noite, julgado sumariamente e condenado à morte mais cruel e horripilante — a cruz — apenas reservada para crimes hediondos e, especialmente, para opositores do regime romano.

Perante a injustiça do mundo, perante a sua crueldade e maldade suprema, o que fez Deus? Manteve-se em silêncio. Suportou a sua dor.

Quando agredido com uma bofetada por não responder de acordo com as expectativas, perguntou:

Se falei mal, dá testemunho desse mal; mas, se falei bem, por que me feres?(João 18:23)

Em termos mais amplos: se o que eu digo é bom, é verdade, é correto — e não falsidade, maldade ou mentira — por que me agredis, prendeis e julgais?

Perante Pilatos, Cristo afirma:

Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.

Pilatos responde: “Que é a verdade?” — e, sem esperar resposta, afasta-se (João 18:37-38).

Confesso que este diálogo me inquieta. Quando Cristo afirma que a verdade é uma só, Pilatos responde, como muitos autores jurídicos ainda hoje, que a verdade é relativa. Durante anos aceitei essa ideia — fruto dos (maus) ensinamentos da academia. Que o Direito é imperfeito (e é); que uma aproximação à verdade já é aceitável; que haverá tantas verdades quantos observadores do facto. Mas isso é mentira.

A Verdade é uma.

O Direito, como ciência imperfeita, pode nunca atingi-la, mas ela existe — e cabe aos intervenientes, em especial ao Tribunal, buscá-la com afinco… ou não.

O silêncio de Deus tem, a meu ver, duas vertentes essenciais:

 

  1. O contraste com a necessidade humana de justificação.

A defesa “a todo o custo”, ainda que custe a alma.

Pois que aproveita ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma?(Marcos 8:36).

Espera-se muitas vezes que o advogado faça do preto branco, que torça a realidade para que não sejam assumidas responsabilidades, associando-se a imagem de “bom advogado” a esse tipo de conduta.

Mas ninguém gosta da mentira… até ao momento em que ela se torna útil.

 

  1. O silêncio como entrega à vontade de Deus.

Uma confiança total nos seus desígnios. Uma rendição radical.

Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. (Romanos 8:28)

No caso de Cristo, sabemos onde essa rendição o conduziu: à glorificação eterna junto do Pai, e à obtenção da graça do Espírito Santo para todos os que nele creem (Hebreus 2:9-10).

 

O sentimento de injustiça é dos mais difíceis de suportar. Por isso, este texto não fala de aceitar injustiças com um sorriso idiota e resignado, numa bonomia sem sentido.
Fala, sim, da capacidade de aceitarmos e carregarmos a cruz quando a injustiça é inevitável.

De sermos discípulos de Cristo — sem virar a cara. Conscientes de que Ele tudo vê, e de que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus.

Mesmo quando não se vê. Mesmo quando dói.

Este texto fala também do poder do silêncio.

O silêncio que, por vezes, é a única — e mais digna — resposta à injustiça.

A sabedoria que Deus nos chama a discernir — seja no meu caso, enquanto advogado, seja no seu, enquanto cidadão — é saber quando calar e quando falar.
Saber quando nos devemos levantar e falar — seja em defesa própria ou de outros — e saber quando devemos calar e suportar, com firmeza, as injustiças que caminham até nós.

A única vitória que importa é aquela que traz paz.

E, muitas vezes, o silêncio é a única saída.

Uma Santa e Feliz Páscoa.